Agosto 30 2011

A solidariedade é um dos novos nomes do amor. Não apenas solidariedade como dever, mas como sentido de responsabilidade e de entrega, que todos nós devíamos fomentar. Na civilização da velocidade e do sucesso, necessariamente, há sempre quem fica para trás, porque não consegue acompanhar a corrida. A pessoa idosa pertence, muitas vezes, a esse número incontável de pessoas que vão ficando para trás, numa sociedade que olha quase só para a frente. Há anos atrás, ser idoso equivalia a ser sábio e, normalmente, os mais novos respeitavam as opiniões e o estatuto dos mais idosos. O mundo novo tende a inutilizar a pessoa idosa, e não sabe o que perde com isso. Tornamo-nos numa sociedade infantilizada.

Há também a necessidade de cuidar da pessoa idosa na sua doença e dependência, como gesto de pura responsabilidade. Não se trata de piedade ou compaixão, mas de responsabilidade, isto é, de resposta. Resposta àquilo que a pessoa idosa foi e que merece ser.

Dentro desta resposta existe o cuidado espiritual, uma espécie de corolário de todos os outros cuidados. A espiritualidade não é apenas a fé: é tudo o que dá sentido à vida e a torna, por assim dizer, redonda, isto é, aperfeiçoada, com sentido. Não é difícil encontrar pessoas idosas que se interrogam, olhando para trás, se valeu a pena a vida que levaram, os sacrifícios que fizeram. Cuidar da pessoa idosa é também ajudá-la a perceber que valeu a pena, e que ainda vale a pena viver, porque há coisas que não têm perco nem podem ser avaliadas, e são essas que dão sentido e sabor à existência. É importante que a fé seja alimentada. Quase todas as pessoas idosas do nosso meio são católicas e essa fé é o elo de ligação que lhes dá sentido a toda a vida. A celebração da Eucaristia, a comunhão e o encontro espiritual são muito importantes.

A solidão é uma doença, uma doença grave e muito dolorosa. «O que dói na dor não é a dor em si, mas a falta de um ombro onde chorar a dor», dizia um sociólogo famoso. A dor é a solidão da dor. Essa doença tem cura e todos nós somos médicos dessa doença. Nós somos a cura e o remédio.

Reconheço que, como capelão, gostaria de ter mais mãos que a mais pudessem chegar. O que é difícil não é impossível e deve ser uma exigência a aperfeiçoar sempre. Com a consciência de que, nos caminhos de Deus, nada é nunca suficiente, reconheço que, em espiritualidade, as pessoas precisam de companheiros de viagem. O mais belo e o mais difícil de todos os caminhos: ser o rosto de bondade de Deus para quem d’Ele precisa.

Que Deus nos ajude

 

 

Pe Júlio Rocha


Capelão do Lar de idosos da Sta. Casa da Misericórdia de Angra do Heroísmo.

publicado por servoluntariosempre às 17:11

Agosto 13 2011

Estamos a celebrar o Ano do Voluntariado e a Santa Casa já organizou louváveis iniciativas para promover esta dimensão da bondade humana. Tive a honra de participar activamente, num aspecto mais ligado à espiritualidade. Gostaria de partilhar alguns temas que debatemos nessa altura.

Usa-se a palavra «alteridade» para significar um modo de pensar e de agir centrado no outro, em contraposição com o eu. Isto implica um modo de pensar já não baseado no ser e no conhecimento, mas na relação. Que quero dizer com isto? Conhecer significa dominar: os meus conhecimentos são os meus domínios em determinada matéria. Esta ideia de conhecer também se aplica a pessoas. Infelizmente. Conhecer alguém é, de alguma forma, dominá-lo, guardar o que sei dele nas minhas estruturas mentais, como se ele fosse um objecto. Ninguém pode ser assim conhecido. O outro, enquanto pessoa, não pode ser dominado. Ser pessoa é, precisamente, por princípio, recusar-se a ser conhecido, objectivado, dominado. Posso ser conhecido enquanto corpo, como psique. Não na minha totalidade enquanto pessoa. A pessoa é transcendente. Vai além da possibilidade de ser conhecida. Podemos conhecer aspectos da pessoa. Nunca a pessoa inteira. Permanece um mistério. Isto aplica-se também para a pessoa doente ou idosa.

Na sua doença, na sua idade, na sua humildade e pobreza, o outro apresenta-se como aquele que precisa de mim. Há aqui uma desigualdade entre ele e mim: ele é idoso e eu, eventualmente, novo; ele saudável, eu doente; ele, às vezes deitado, eu de pé; ele ajudado, eu o que ajuda, etc. Eu sou forte, ele débil. Mas é precisamente essa debilidade que me chama e apela à minha responsabilidade, à minha resposta. Só sou responsável se responder, só sou pessoa se precisar de outra pessoa. Ser voluntário é, então, precisar daquele que precisa de mim.

Na prática, o nosso Lar é espaço privilegiado para exercer esse voluntariado.

É verdade que o doente ou idoso precisa ser diagnosticado, estudado, compreendido, conhecido. Mas ali está, irrepetivelmente, uma pessoa. Cabe a nós fazer esta distinção, muitas vezes ténue, mas essencial entre a idade, a doença, o corpo doente, o órgão doente, por um lado, e a pessoa, que não é «mais um» idoso ou «mais um» doente.

Ressuscito aqui duas palavras cristãs, que o tempo gastou mas que, revistas, nos dão outras perspectivas: compaixão: não é ter dó. Não é ter piedade. Origem latina: cum passio (compasso) fazer os mesmos passos, a mesma paixão. E Misericórdia: não é bater no peito. Latim miser e cor, cordis: ter o coração perto do que sofre a miséria, a dor.

Cada idoso, cada doente é um rosto que revela e esconde o mistério e a transcendência da sua pessoa. Nessa relação eu/tu, não é só o doente que sai a ganhar, mas também nós que aprendemos, com ele, a reinventar o nosso ser pessoas, ser para, ser para o outro. É no doente que encontramos a nossa razão de ser pessoas, profissionais e voluntários. São Paulo dizia: há mais felicidade em dar do que em receber.

O voluntário tem que ter a consciência de que não está a fazer favor nenhum a ninguém. Somos voluntários porque precisamos dessa relação com a pessoa idosa ou doente para sermos mais humanos e porque as riquezas que essa pessoa nos pode transmitir são indispensáveis para a nossa vida. Não precisamos dos elogios de ninguém. O sorriso de uma pessoa agradecida é a nossa paga. Humildade não é cobardia: a nossa tarefa tem o seu quê de sublime. Sintamo-nos humildemente orgulhosos na nossa gratuidade.

Acima de tudo, é indispensável apreciar os pequenos gestos, porque o voluntariado não é questão de heroísmo. As pequenas atenções e a forma como nos damos nelas é que têm valor.

O voluntariado tem uma dimensão espiritual enorme. Com os nossos idosos e doentes somos companheiros de viagem. Encetamos uma viagem espiritual lado a lado: viagem de reconciliação, de paz e de sentido de vida a que a oração não é, também, alheia. Se nos dermos ao outro, nem imaginamos a riqueza que o outro terá para nos dar. Mas, como tudo na vida, só recebemos conforme o que dermos.

 

Pe Júlio Rocha

Capelão da Santa Casa da Misericórdia

 de Angra do Heroísmo

 

publicado por servoluntariosempre às 19:42

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