Outubro 04 2012

José Homem Meneses, um lutador incessante pelos direitos humanos, nascido a 15 de Setembro de 1935, 78 anos. Sendo o mais velho dos irmãos emigrantes no Canadá é, desde há 15 anos, Provedor da Santa Casa da Misericórdia dos Altares. Reformado, após exercer funções como Chefe do Departamento de Eletricidade da Base Aérea das Lajes nº4, é casado há 54 anos tendo 2 filhos e 9 netos dos quais 6 são gémeos, 2 rapazes e 4 raparigas. O pai do Sr. José era lavrador e a minha mãe dona de casa. Tem dois irmãos, um casal, emigrantes no Canadá sendo o senho José o mais velho dos três irmãos. Um dos irmãos voltou este ano em férias mas a irmã já não visita a Ilha Terceira há muito tempo. O sr. José tem 9 netos, para espanto, 6 são gémeos: um par de rapazes e dois de raparigas. Ele que nunca teve gémeos! Mas o filho mais velho teve um par de gémeos de diferentes mulheres. Infelizmente, a primeira mulher dele faleceu e nessa altura foi muito difícil pois foram para Lisboa estudar e casaram lá fora e obviamente ficaram os pais muito felizes por finalmente terem netos - “a galinha trouxe dois ovos da páscoa”, disseram-nos mas infelizmente a nora do Sr. José passou mal e acabaria por falecer. Foi uma situação muito difícil para ele pois, como nunca teve filhas, ela foi como uma para ele, a quem se afeiçoou. Brincavam muito e tinham uma excelente relação. Passados 20 anos sobre esta tragédia familiar, é ainda muito difícil falar sobre o assunto sem traduzir uma grande emoção. O senhor José frequentou a escola da freguesia dos Altares – concelho de Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Açores -, no tempo da ditadura, em que Salazar obrigava todas as crianças a tirarem a 3º classe mas o sr. José fez a 4º classe e muita gente entendia que ele deveria prosseguir os estudos mas o pai não tinha possibilidades e, de resto, havia ainda aquela ideia de que o estudo era para os malandros pois o trabalho é que era importante. Assim, o sr. José terminou a 3ª classe e enveredou pela lavoura e agro-pecuária com o pai – uma atividade que detestava pois, simplesmente não se sentia realizado. Fez o serviço militar e, durante o mesmo, enveredou pelas comunicações e foi um espanto pois nunca tinha tido qualquer contato anterior com eletricidade. Após cumprir o serviço militar, e como não queria voltar para a lavoura do pai, aceitaria qualquer coisa! Quis emigrar para o Canadá mas não o aceitaram. Foi-lhe recusado passaporte pois ao perceberem que tinha experiência e percebia bastante já de eletricidade e comunicações, especialmente em decifrar códigos militares, representava um perigo, acredita. E não podia sair do país até que certos códigos perdessem a respetiva validade. Neste cenário, o que fazer? Como conhecia uma pessoa na Base Aérea das Laje, fez um exame e entrou. Bastava assinar o nome e pouco mais pois o exame era semelhante a uma prova de conhecimentos da 4ªclasse mas, como “tinha mais cabeça do que os demais por ali”, sentia-se “um Doutor pois a maioria dos que fizeram esse teste não passava ou passava sem saber, não sabiam o que estavam a escrever”. No início abastecia aviões, era o condutor do camião cisterna e nesse posto permaneceu durante quatro anos. Na Base Aérea nº4 fez a sua vida profissional até aos 71 anos de idade. Nessa altura sentiu que era altura de sair, até porque nessa altura estavam na ilha os netos e com eles decidiu dar um passeio pelas ilhas dos Açores – uma viagem que não esquece e recorda com emoção: ficaram e hotéis ou em casas particulares e visitaram tudo o que conseguiram pois em Setembro os netos ingressariam na Universidade. Os netos, de quem fala com o carinho e a alegria que o brilho no olhar não esconde, são já engenheiros, uma farmacêutica, estão a acabar mestrados. Um deles encontra-se já a trabalhar na fábrica da Nokia e outro a trabalhar numa empresa de energia nuclear. Ainda enquanto profissional, cumpriu 47 anos de serviço, recebeu inúmeras formações ao longo da sua carreira e recorda particularmente um sargento que muito exigiu dele mas com quem muito aprendeu. Sempre gostou de estudar porque tinha facilidade em apreender os conhecimentos. Durante a guerra do Golfo, esteve a trabalhar três meses consecutivos sem horário fixo e sem folgas pois tinha de estar alerta e, ao fim desse tempo, recebeu um montante de dinheiro suficiente para comprar um carro. Na altura adquiriu um VW Golf. O sr. José considera-se uma pessoa ativa! Ocupa-se no cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia dos Altares e na sua horta onde consegue produzir de tudo pelo que nunca precisa de comprar hortaliças nos supermercados! Foi muito ativo antes do 25 de Abril: Presidente da Junta de Freguesia dos Altares e teve muitos problemas: “passei um mau bocado aquando da Guerra do Ultramar pois o Presidente da Câmara Municipal de Angra não concordava comigo. Tive de enfrentar várias pessoas e atitudes. Sou contra a guerra pois nada diz que eles (angolanos) queriam como nós portugueses (…) as grandes potências deram independência às suas colónias e nós porque não demos? Porque haveríamos de ser diferentes? Ficaram os traumas dos soldados, as mortes – um sofrimento que não vale a pena.” Mas teve problemas com as autoridades, nomeadamente com a polícia do regime – a PIDE – por ter posições contrárias ao regime. Depois aconteceu o 25 de Abril de 1974 que para ele foi uma alegria! Continuou na vida política ativa, como autarca na Junta de Freguesia dos Altares e, após o sismo de 1980 que destruiu boa parte da ilha Terceira, foi para a assembleia municipal de Angra para ajudar na reconstrução do concelho. Após esta experiência deu por concluída a sua vida política. Depois ajudou a criar a Santa Casa dos Altares – uma Misericórdia da qual é Provedor desde 1996. Começaram por, com dois funcionários apenas, assegurar o fornecimento de 12 refeições na valência Apoio Domiciliário. A instituição começou a crescer e fizeram-se muitas obras. Chegou a viajar até Lisboa, reuniu com o Ministério da Saúde para solicitar apoios para mais obras e está feliz por conseguir ajudar muita gente. É, aliás, por essa razão que continua responsável pela condução da instituição. Em jeito de balanço da atividade recente, conclui que “sim é por isso (para ajudar) que estou aqui, estive a fazer contas aqui, no outro dia, e posso dizer-lhe que conseguimos ajudar mais de 400 pessoas. São muitas. As pessoas aqui têm dificuldade em perceber a dimensão desta instituição que conta com 16 funcionários e nenhuma empresa, nas freguesias mais próximas, conta com tantos funcionários e só isso é motivo de orgulho para mim pois 16 casas recebem o seu rendimento a partir desta instituição.” Para além dos afazeres de Provedor da Instituição, que exerce em regime de total voluntariado, dedica-se à sua horta e, ao fim da tarde, numa cadeira debaixo duma árvore, gosta de ler!  Mas para ler nem tudo serve: apenas o que lhe diga alguma coisa, que o faça pensar! E conseguiu, felizmente, incutir nos filhos, o hábito de ler e o gosto pela leitura pois antes de entrarem na escola já sabiam ler. Na sua relação com os outros, gosta de enfatizar a predileção pela gente jovem. Gosta de perceber como os jovens pensam hoje em dia pois eles têm de ter um pensamento necessariamente diferente do dele. Tem a experiência dos netos: começou a brincar com eles, tinham 7 anos. Precisava de ganhar a confiança deles pois há aquele ditado que diz que “se queres dar uma bofetada em alguém tem que ser próximo dele pois de longe não consegues”. Interessava-lhe, pois, conseguir a confiança deles e, assim, conversando lhes transmitiu a sua experiência e conhecimentos. Como ganhou a confiança deles, tem conseguido ajuda-los no melhor das suas possibilidades. Não lhes diz o que devem ou não devem ser: médicos ou senhores doutores, pois eles têm que fazer pela sua vida e responsabilizar-se pelo seu futuro e pelas pelas suas ações. Por vezes constata que “hoje em dia, os jovens não se responsabilizam por nada, vêm dizer que a professora é chata e isso para mim é um disparate pois não querem sofrer uma professora durante um ano mas preferem viver em miséria. Não percebem o panorama da vida, não querem fazer pela vida. Esperam que façam por eles.” Há que responsabilizar desde cedo… Cada um é que tem que decidir o que quer fazer da sua vida. Foi isso que tentou incutir aos netos num tom não muito sério, num tom brincalhão mas dizendo a verdade. Assim conseguiu uma relação bastante próxima e de extrema cumplicidade com os netos, a ponto de a ele lhe confidenciarem quase tudo ainda antes de o fazerem com os pais. Relativamente a projetos futuros, eles existem e passam ainda pela instituição que dirige. Gostava de ver construído o novo lar de idosos que projetou. O que mais gosta nesta fase da vida é do encontro com os outros, com quem precisa, sentir que pode ajudar, interagir com pessoas de outras gerações, perceber visões do mundo diferentes das dele. Para ele apenas é motivo de satisfação trabalhar arduamente mas sentir que deu o seu melhor.

Freguesia dos Altares.

 

Esta entrevista foi realizada em Agosto pelo jovem João Paulo Borges

( Voluntário na SCM de Angra do Heroismo )

publicado por servoluntariosempre às 00:34

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