Olhar distante por dentro da vidraça, ninguém repara nela e ela em nada repara. Tantas coisas do passado lhe vêm à memória! Até parece que foi noutra vida que não a sua, namoro à moda antiga (que a família era de respeito!) casamento com pompa e circunstancia, filhos, uma família para cuidar, e como num abrir e fechar de olhos está só, rodeada de gente que como ela também já tiveram outras vidas, outros afazeres. Só, no meio de gente!
E o tempo passa, algumas vezes recebe visitas, familiares que de vez em quando, se lembram que tem alguém da parte da mãe ou do pai, que se encontra no lar de idosos (até muito bem cuidada!) e os filhos que nem sempre tem tempo e paciência para ouvir as mesmas queixas e lamentações, também por lá aparecem, mas com falta de tempo, sempre com muitos afazeres. Esquecidos já da época em que ela era então porto de abrigo para todos, filhos e netos.
Num repente uma voz já sua conhecida: D. A. está na hora do bingo, vamos jogar! Venha comigo, olhe que vamos começar já!
Mas será que ela quer jogar bingo? (está na hora do almoço, está na hora de cantar, esta na hora de... e de....)Ela deixou de ser dona do seu tempo,( que o lar tem os seus horários e que devem ser respeitados!) O que lhe vale é o seu mundo interior, esse ninguém o tira! Tantas recordações, todo o amor e carinho que ainda tem para dar, (mas que a ninguém parece interessar.) todas as palavras que tem para dizer, mas que já não tem importância, pois é simplesmente mais uma idosa das muitas que ali estão. Só, no meio de muita gente.
Qualquer semelhança com o que se passa hoje nos nossos lares de idosos, é pura coincidência, mas não é por isso que deixa de ser uma realidade. Digo uma, porque existem outras realidades.
M. Izilda Amaral
voluntária no Lar de idosos da SCMAH